No Brasil, a palavra empreendedorismo foi adicionada aos dicionários apenas em 2005. Enquanto por aqui as coisas ainda engatinhavam, nos EUA as empresas nascentes do Vale do Silício consideravam que o céu era o limite.
No contexto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (ou P&D&I), passaram-se alguns anos para que os países da América Latina entendessem o significado de “pensar grande”, aspecto essencial de qualquer processo inovativo.
Nesses anos, houve avanços, claro. A academia e a indústria se aproximaram, houve políticas governamentais e o ecossistema de inovação se fortaleceu.
O amadurecimento do empreendedorismo resultou em um número crescente de fintechs, edtechs, healthtechs e afins que visam, realmente, melhorar a vida das pessoas.
Para além de terem desenvolvido e amadurecido sua vontade genuína de solucionar problemas da comunidade, os empreendedores brasileiros compreenderam a importância de ousar e assumir riscos.
Esse, talvez, tenha sido o principal avanço. Ninguém consegue empreender sem ousar. E ninguém consegue parar um empreendedor genuíno, depois que descobre que sua ideia tem potencial para mudar o mundo.
Tudo em jogo: a busca pelos recursos financeiros no Brasil
Quando chega o momento de realizar uma ideia, torna-se urgente implementar novas funcionalidades, uma interface moderna, ampliar a capacidade produtiva, criar novos recursos, enfim, para inventar, tudo entra em jogo.
Refinar uma tecnologia, criar um produto ou construir uma fábrica custam dinheiro. E não são poucos os empreendedores que literalmente colocam seus patrimônios como garantia para conseguir recursos financeiros.
Isso exemplifica um dos principais entraves quando falamos em levantar recursos para P&D&I no Brasil: ter garantias! Determinantes para conseguir crédito nos bancos, as garantias reais sinalizam que o banco terá seu dinheiro de volta caso a empresa não consiga pagar as prestações do empréstimo.
Nas operações de crédito tradicionais, apresentar garantias para a operação flexibiliza as condições do financiamento – como taxas de juros mais baixas e prazos de pagamento mais extensos. Mais grave ainda, na maioria das vezes, é a única alternativa para viabilizar os recursos.
Naturalmente, negócios inovadores são arriscados. Baseiam-se em essência em novas ideias ou conceitos, muito comumente disruptivos e sem parâmetros anteriores que permitam comparação.
E por outro lado, muito frequentemente os pesquisadores e empreendedores iniciantes não possuem patrimônios valiosos o suficiente para oferecer como garantias de empréstimo. Boa parte das vezes, devotaram suas vidas para aprender e, só então anos depois, transformar esse aprendizado em inovação. Por isso, muitos negócios inovadores simplesmente morrem por falta de combustível.
Se a falta de garantias fosse o único problema no Brasil, seria mais fácil. Outros problemas estruturais contribuem para que estejamos na primeira infância do mercado financeiro como:
- oligopólio dos bancos de varejo;
- carência de políticas públicas para maior fluxo de informações;
- recuperação do crédito lenta e cara;
- processos demorados e insegurança jurídica.
- mercado de capitais pouco desenvolvido para financiar projetos inovadores e muito concentrado (venture capital) em soluções de tecnologia da informação, excluindo inovações relevantes em outros segmentos
No entanto, como pesquisa da FIESP aponta, 45% das empresas que tentaram obter um financiamento com o BNDES não conseguiram devido a requisito de garantias muito elevadas que as empresas não dispunham no momento.
Alternativas e soluções para os gargalos: o que surgiu por aí
Para um país onde há até 14 anos não existia a palavra empreendedorismo, as coisas avançaram bastante, mesmo que em um ritmo mais lento do que o desejado. Algumas soluções públicas e privadas já foram criadas visando destravar o mercado de crédito para projetos inovadores e outras iniciativas ainda estão surgindo por aí.
Como alternativa ao mercado de crédito concentrado e pouco competitivo, foram criadas as fintechs, startups focadas em serviços financeiros por meio da tecnologia. Segundo levantamento do Finnovation 2018, atualmente, existem 377 fintechs no Brasil sendo que 56 são unicamente voltadas para empréstimos.
Para melhorar o acesso limitado a informação sobre os credores, foram implementadas algumas políticas públicas como o Novo Cadastro Positivo (um currículo financeiro online) e o movimento de Open Banking (compartilhamento de informações via API).
Tratando-se de políticas públicas para recuperação de crédito, foi criada a Nova Lei de Falências (permite a validação do registro digital de duplicatas escriturais) e o Sistema de Registro e Gerenciamento de Garantias (criação de uma plataforma onde serão integradas as informações dos bens imóveis).
No entanto, em termos da ausência de garantias reais, pouca coisa caminhou.
Garantias reais para operações de crédito: como resolver?
O primeiro ponto que deve ser discutido é a dependência do ecossistema de P&D do cenário macro político e econômico. Já passou da hora de nos livrarmos dessas amarras.
Diversas medidas de estímulo podem e devem ser tomadas para que os pilares envolvidos em P&D (indústria, academia e financiadores) conversem entre si, implementem um ambiente de reaproveitamento dos erros e falhas, estabeleçam um ecossistema mais saudável, produtivo e independente de políticas macroeconômicas ou públicas.
A nosso ver, descrevemos algumas formas possíveis de fomento a ecossistemas de P&D mais próximas e factíveis de cada um dos respectivos micro-campos de ação:
Na academia: sistemas alternativos de avaliação de docentes e pesquisadores, equipes dedicadas à gestão da inovação e parcerias com indústrias com métricas de produção específicas;
Na indústria: dotação orçamentária para maior estímulo ao risco e às pesquisas precoces, sistemas e parcerias de co-desenvolvimento, parcerias de longo prazo e por linhas de pesquisa;
No sistema financeiro: linhas de crédito voltadas para diferentes fases das empresas, com exigências simplificadas e alternativas às garantias tradicionais.
Com um ecossistema fortalecido, teríamos forças para pensar em soluções microeconômicas, majoritariamente ao alcance das mãos dos executivos e executores de políticas de P&D, seja na academia, na indústria ou no próprio sistema financeiro.
No que diz respeito a alternativas para as garantias tradicionais, a primeira ideia que surge vai na linha do uso dos fundos garantidores, já utilizados atualmente por alguns bancos, como o Desenvolve SP.
Esses fundos garantiriam 100% desses projetos enquadrados nos critérios de interesse, no caso aqueles inovadores. Para contextualizar, hoje estes fundos servem apenas como complemento a outras garantias e, assim mesmo, em uma proporção pequena.
Interessante ainda, já há um arcabouço consolidado para definição e categorização de projetos inovadores pelos agentes financiadores.
Dentro dessa visão liberal, o fundo garantidor seria pago pelo empreendedor e faria parte do custo total do financiamento; minorando assim o papel das garantias individuais, tão distantes da realidade dos empreendedores da inovação!
E acima de tudo, essa estrutura já existe, não seria necessário reinventar a roda. Apenas, a nosso ver, ajustar o processo e criar espaço de debate para refinamento desta proposta.
Quando uma solução é buscada a nível governamental, realizam-se rodadas de audiência pública, que convocam os atores envolvidos na argumentação.
Se amadurecermos uma proposta concreta em nossas mãos, poderemos iniciar um debate construtivo, democrático e atrair interessados em mudar essa realidade.
Assim, esse texto é na verdade, um convite aos interessados dos diversos lados: empreendedores da inovação, sistema financeiro, acadêmicos, advogados, técnicos, consultores…
Todos que estiverem dispostos a dar forma a este projeto. Afinal, o que nossa sociedade deseja? Qual é o nosso “pensar grande” para a inovação? Não seria benéfico para nosso país facilitar o desenvolvimento de empresas inovadoras?
*Esse texto opinativo foi escrito por Lucas Aquino, sócio-fundador da idr Consultoria e Carlos Kiffer, pesquisador e professor adjunto da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP.
Sobre a IDR Consultoria
Consultoria especializada na captação de recursos financeiros de bancos públicos e privados e investimentos em venture capital, programas de subvenção e aplicação dos incentivos da Lei do Bem e Lei da Informática. Criada há dez anos por Lucas Aquino e Felipe Meiroz, a idr aposta na captação do maior número possível de fontes de fomento e financiamento do governo ou fontes privadas como forma de fortalecer as empresas, a partir de uma solução personalizada. www.idrconsultoria.com.br.